Mercuria Trading entra na mira da investigação da Polícia Federal no estado de Tocantins
A decisão do ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, que afastou por 180 dias o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, abre uma nova frente de escrutínio sobre os acordos climáticos e florestais firmados pelo Estado, em especial os arranjos com a Mercuria Energy Trading (Mercuria) e com o veículo de investimento em natureza Silvania. A …
A decisão do ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, que afastou por 180 dias o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, abre uma nova frente de escrutínio sobre os acordos climáticos e florestais firmados pelo Estado, em especial os arranjos com a Mercuria Energy Trading (Mercuria) e com o veículo de investimento em natureza Silvania. A medida, parte da Operação Fames-19, apura um suposto esquema de desvio de recursos públicos na pandemia; a PF cumpre 51 mandados e estima-se prejuízo superior a R$ 73 milhões. A decisão será analisada hoje pela Corte Especial do STJ.
A suspeita de fraudes e ilegalidade recai sobre o programa Jurisdicional REDD do Estado e o Programa Tocantins Restaura.
No mercado de carbono jurisdicional (JREDD), o Tocantins protocolou seu programa no padrão ART TREES e firmou, a partir de 2022/2023, um acordo estruturante com a Mercuria. Documentos oficiais do governo apontam que a trading foi selecionada em ambiente não competitivo, quando a lei nacional do carbono exige processo licitatório. Isso resultou na criação de uma SPE com a estatal Tocantins Parcerias para viabilizar certificação e comercialização de créditos. Chama a atenção das autoridades a negociação anunciada pelo governo, pois foi divulgado que a Mercuria adquirirá com exclusividade todos os créditos gerados até 2030, com projeção de mais de 50 milhões de unidades e receita potencial acima de R$ 2,5 bilhões, condicionada à performance ambiental. Esse fato despertou suspeita dos investigadores por três motivos: primeiro, porque a lei brasileira veda a venda antecipada dos créditos; segundo, porque não se pode vender patrimônio público, no caso créditos de carbono, sem prévio processo concorrencial; e terceiro, porque os valores dos créditos nunca foram divulgados, gerando fortes suspeitas. Em um governo acusado de transformar a gestão em “balcão de negócios”, esse tipo de negociação conduzida pela Mercuria tende a ser uma nova frente de aprofundamento de investigação. As tratativas com o governo foram conduzidas pelo executivo da Mercuria Celso Fiori e pela advogada Natália Renteria, representante do Fundo Silvania no Brasil.
Reportagem especializada indica que a Mercuria já aportou R$ 14 milhões e firmou compromisso de compra por 10 “safras” (2020–2030), caracterizando um adiantamento a ser abatido na aquisição futura dos créditos, um desenho que combina financiamento de preparação (“readiness”) com opção/contrato de compra de longo prazo.
Paralelamente, em janeiro de 2025, o governo lançou o projeto Tocantins Restaura com o Silvania, descrito oficialmente como veículo de US$ 500 milhões apoiado pela Mercuria, para restaurar até 12 mil hectares no Parque Estadual do Cantão (fase piloto), com investimento inicial estimado em R$ 120 milhões. Comunicados oficiais e a imprensa registram o Protocolo de Negociação assinado na Suíça; contudo, não há publicação das cláusulas completas nem menção expressa a procedimento competitivo específico para esse arranjo de restauração.
Neste caso, chama a atenção a concessão de áreas públicas para a restauração sem qualquer procedimento público concorrencial e transparência sobre as negociações. Até hoje não se tornou público os termos desses acordos celebrados entre o governador Wanderlei Barbosa, Celso e Natália Renteria.
Um dos delegados federais que compõe a força-tarefa de investigação apontou os próximos passos que devem ser escrutinados pelas autoridades e órgãos de controle:
- Transparência e governança: acesso público aos contratos integrais, aditivos e modelos de repartição de benefícios do JREDD (incluindo critérios de elegibilidade de projetos, salvaguardas socioambientais, repartição com povos e comunidades tradicionais e indicadores de desempenho).
- Estrutura econômica com a Mercuria: conferência independente dos valores já aportados (R$ 14 milhões reportados), das condições de exclusividade até 2030 e dos mecanismos de precificação/abatimento do adiantamento na compra dos créditos.
- Tocantins Restaura / Silvania: publicação dos instrumentos jurídicos (SPE, termos de parceria, garantias, fontes e cronograma do R$ 120 milhões), metodologias de mensuração de resultados (carbono/biodiversidade) e critérios de contratação (se houve chamamento/edital ou negociação direta e com base em que norma).
- Riscos de conflito de interesses: análise da convergência Mercuria–Silvania (investidor/comprador de créditos e veículo de investimento em restauração), assegurando pareceres técnicos e jurídicos sobre independência, preços e condições equitativas ao Estado.
- Se houve benefício direto do governador e seus assessores nas negociações com a Silvania.
O Estado e a Mercuria divulgaram que essas negociações poderiam gerar 2,5 bilhões de reais em movimentações financeiras com vendas de créditos, o que chamou a atenção dos órgãos de controle pela forma não usual que tudo se desenvolveu.
Repercussão política
Após a decisão do Superior Tribunal de Justiça, o secretário do meio ambiente do estado, Marcelo Lellis, que conduziu as negociações com a Mercuria, foi exonerado do cargo.

Fonte: Terra
